Desde a minha infância, sempre tive grande apreço pela cultura judaica. Mesmo tendo uma família de origem latina cristã-católica, sempre fui entusiasta da cultura hebraica, sempre ávido em conhecer melhor essa cultura tão forte e impressionante que é altamente relevante ao Ocidente. Nossa cultura ocidental está profundamente marcada pelo cristianismo, religião que tem sua origem profundamente atrelada ao judaísmo, bem como a nossa ética, e o nosso direito, que mesmo tendo grande influência romana e germânica, devido ao reino visigótico, povo de origem germânica que se estabeleceu em Portugal após a queda do império romano, e contudo todo o direito ocidental bebeu da fonte da Torá dos judeus, isso é incontestável.
Eu também sempre apreciei a fantástica inteligência judaica, nem preciso mencionar o grande número de prêmios Nobel que os judeus têm em suas estantes, bem como o número de intelectuais e cientistas judeus que mudaram a história das ciências, da Filosofia, enfim, qualquer pessoa com o mínimo de boa vontade perceberá que o povo judeu tem um diferencial em termos de educação e pedagogia.
Uma vez lendo uma versão em francês do “Le livre de la connaissance”, de Moisés Maimônides, tive a vontade de fazer o meu trabalho de conclusão de curso( Curso de Filosofia) sobre esse filósofo judeu. Na verdade, pensei em fazer sobre sua metafísica, e comecei a coletar um material considerável, mas logo comecei a me interessar pela pedagogia judaica, como se dá a erudição dos jovens judeus. Mas um ano depois decidi mudar o tema, ou seja, continuei com Moisés Maimônides, mas decidi fazer o trabalho de conclusão de curso com o seguinte tema, “ A Ética judaica em Moisés Maimônides.
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O grande Moisés Maimônides |
Moisés Maimônides, ou também conhecido pela alcunha de Rambam, cujo nome em hebraico é רבי משה בן מיימון, já a tansliteração seria Moshê Ben Maimon, nasceu a 30 de marco de 1135 em Córdoba, Espanha, ou seja, nasceu na época em que algumas cidades do sul da Espanha estavam sob o domínio mulçumano. Mas é preciso salientar que o sul da Espanha e da França foram invadidos em 711 pelos mouros, que em acordo com os visigodos se instalaram ao sul, e fizeram uma grande campanha de proselitismo para converter os ibéricos e franceses do sul. Ao contrário do que muita gente acredita, a grande maioria , ou melhor quase a totalidade dos muçulmanos da Espanha eram os próprios habitantes da Espanha , e não árabes, que outrora eram cristãos, mas seguiam a heresia de Ário, o arianismo, que era muito comum na Espanha e França da época, o arianismo não aceitava a divindade de Cristo, por isso segundo alguns historiadores muitos espanhóis se converteram em massa ao Islamismo naquela época.
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No judaísmo, não há a ideia de pecado original. |
A principio, o que mais me chamou atenção foi o fato de não haver o conceito de pecado original no judaísmo, pois eu nunca havia me questionado sobre esse fato, acho que muitos cristãos têm essa noção, mesmo que de forma inconsciente. para os judeus, os homens não nascem nem bons nem maus. Sendo assim, no cristianismo, a ideia de pecado original traz consigo a concepção que o individuo já nasce corrompido e é portador da mácula que é o pecado original.
Para os cristãos, não há como remover esses pecados sozinhos, mas somente com a morte e sacrifício de Jesus, como expiação por todos os pecados da humanidade. Ou seja, para os cristãos não há outra forma de salvação a não ser por Jesus.
Em contrapartida, já que no judaísmo não há a ideia de pecado original. A visão judaica é que os seres humanos não nascem naturalmente bons ou maus. Todo indivíduo tem inclinações boas e más, mas tem também o livre-arbítrio moral para escolher o bem, e esse livre-arbítrio moral para o bem pode ser mais poderoso do que a inclinação para o mal.
Na verdade, a ética judaica traz consigo a ideia de que os seres humanos decidem por si mesmos como agir. Isso é assim porque a inclinação para o mal e a possibilidade de pecado inerente à mesma permitem que as pessoas escolham o que é bom e, assim, obtenham mérito moral. A visão judaica não é a que as pessoas estão indefesas diante do equívoco moral e dependem de terceiros para serem salvas.
O judaísmo entende que os seres humanos foram dotados de recursos para que sejam capazes de optar pelo bem quando se deparam com uma situação em que há inclinações para o bem e para o mal. Assim, têm a possiblidade de aprender com os próprios erros e evoluir moralmente.
Em seus escritos éticos, em dois capítulos Maimônides retoma a figura do Messias de Israel. No capítulo “Leis sobre o arrependimento” e “ A Lei dos Reis e suas guerras”. Devemos nos recordar, que Maimônides está em franca idade média, e obviamente os escritos de Platão já foram disseminados por todo o Ocidente, então podemos notar que a figura messiânica que o Rambam esboça em sua obra, guarda certas semelhanças com ideal Platônico do filósofo-rei , podemos fazer uma analogia com a ideia de Estado perfeito de Platão. No VI capítulo da “República” de Platão, em um diálogo entre Sócrates e Glauco, o mestre de Platão afirma que os reis, os governantes e todos os representantes políticos, devem ser filósofos, para que assim o Estado real possa se transformar em ideal.
O Messias preconizado pelo judaísmo, é a sabedoria de Deus, a palavra de Deus, o nome Cristo em grego, vem da tradução do hebraico Messiach, que significa , ungido. Assim é necessário enfatizar, que embora, os cristãos tenham em Jesus de Nazaré, nascido judeu, o messias de Israel, os judeus ainda acreditam que o verdadeiro Messias de Israel está por vir.
A figura do Messias de Israel contém praticamente todos os atributos do Filósofo-rei, com algumas diferenças. Podemos dizer, que a figura do Rei de Israel, o messias prometido ao povo escolhido, não apenas ama a sabedoria, mas é a própria sabedoria, não apenas ama a verdade, mas é a própria verdade. O messias, aquele que vem para se assentar no trono de Davi é a própria virtude de Deus, totalmente apto e pleno para governar.
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O grande Rei Davi |
Na história de Israel, nenhum rei pôde ser tão perfeito, e modelo de virtudes tão completas, que mereça ter destaque como a figura do messias, que no caso dos judeus , ainda está por vir. Sim, Davi outrora foi um grande rei para os judeus, mas não possuiu jamais virtudes tão elevadas e não legou exemplos tão relevantes dos quais podem ser mencionados como dignos de perfeição.
Eis aqui então a grande diferença da concepção do messias na tradição judaica e cristã. Enquanto que na tradição judaica o messias é descendente de Davi, e é apenas um legislador enviado por Deus, para o cristão, o messias é o próprio Deus encarnado que vem ao mundo para salvar os pecadores, e voltará para governar o seu povo eleito eternamente.
O messias dos judeus, será um ser humano normal,Descendente do Rei Davi, nascido de pais humanos. Consequentemente, é possível que até já tenha nascido, e ele profetizará a paz mundial. Semelhantemente, o Messias será mortal. Finalmente, morrerá e deixará seu reino como herança para seu filho ou sucessor.
O Messias será o maior líder e gênio político que o mundo já viu. E, igualmente será o homem mais sábio que já existiu. Usará seus talentos extraordinários para precipitar uma revolução mundial que trará a justiça social perfeita para a humanidade, e influenciará todas as pessoas a servirem a Deus com coração puro. Ainda sobre os feitos messiânicos, Maimônides diz:
O Messias não se deixará iludir pela falsidade e hipocrisia deste mundo. Terá o poder para entender o espírito da pessoa, conhecendo assim, seu registro espiritual completo podendo então julgar se é culpado ou não. Com relação a este poder, está escrito, "Terá o deleite pelo temor a Deus; não julgará pelo que seus olhos veem, ou repreenderá pelo que seus ouvidos ouvem" (Isaías 11:3). Este é um sinal pelo qual o Messias será reconhecido. Porém, similarmente como o presente da profecia, este poder se desenvolverá gradualmente.
Nas áreas da lei e da filosofia judaica, as contribuições de Maimônides ao pensamento judaico são ímpares. Seu comentário à Mishná, Mishnê Torah e o Guia dos perplexos são cada qual um marco na história do pensamento judaico. De fato, a extensão da influência de Maimônides sobre eruditos de épocas posteriores, talvez seja melhor expressa pelo dito que está gravado sobre sua tumba :”De Moshê ( Moisés) a Moshê ( Maimônides), nunca houve ninguém como Moshê”. Tamanha a importância que é atribuída a Maimônides, a tal ponto de haver a comparação com o patriarca Moisés.
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São Tomás de Aquino |
Em suma, toda a importância de Maimônides na Ética judaica, foi a síntese e a explanação de toda a ética não apenas da Torá, mas de toda a tradição oral e escrita de forma clara e objetiva não apenas aos eruditos, mas aos leigos judeus e gentios.
Obviamente, aqui eu apenas pontuei alguns pontos qeu eu abordei sobre a ética de Moisés Maimônides, e é tão complexo e tão extenso que eu acho melhor comentar dois aspectos, sobre a figura do Messias e seu governo e também sobre a concepção de pecado original que é inexistente no judaísmo, o que já dá ao judaísmo, uma concepção ética deiferente do cristianismo. Então, deixei de lado outros aspectos não menos interessantes, como o caminho do meio, que talvez eu venha a abordar futuramente.
Maimônides deixou um legado considerável tanto para a Filosofia judaica, como também para a Medicina. Graças a ele, a filosofia de Aristóteles foi aceita na Europa. Como Sabemos a tradução da obra aristotélica foi introduzida na Europa pelos árabes. Mas depois de Avicena e Aveirrós, Maimônides, foi o primeiro a tentar conciliar a fé judaica com a filosofia aristotélica, o que justamente Tomás de Aquino fez posteriormente no Cristianismo. No último capítulo do meu trabalho, eu fiz uma breve analogia entre a figura do messias de Maimônides e do Filósofo rei de Platão.
No judaísmo, a concepção de um Messias remonta à promessa que Deus fez a Moisés, a qual suscitaria entre aquele povo escolhido, um profeta que o povo deveria escutá-lo e seguir os seus ensinamentos. Porém a promessa messiânica vem à tona, em diversas passagens bíblicas, especialmente no livro dos profetas.
No judaísmo não há a crença que as pessoas não-judias( goym, ou gentios) irão automaticamente para o inferno ou que os judeus irão automaticamente para o céu somente por pertencerem a uma ou outra religião . Em vez disso, o que realmente conta é a conduta ética individual. Muitos judeus tradicionais acreditam que o judaísmo fornece o melhor guia para conduzir essa vida ética.
Por Wellington Apolônio. Este texto faz parte do estudo filosófico e da Monografia de Filosofia do Wellington, disponível na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo.